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Publicações - Quatro Rodas nº 146 de setembro (1972)
Gurgel Transa
(páginas: de 44 a 47)


TRANSA
O primeiro anfíbio feito no Brasil

Com tração nas seis rodas, o primeiro anfíbio fabricado no Brasil poderá chegar a 80 km/h em terra e a 15 km/h na água, movido pelo motor VW 1600 de 65 HP. Ele está quase pronto para o Salão do Automóvel, mas nós o mostramos agora.

TEXTO DE NEHEMIAS VASSÃO
ILUSTRAÇÃO DE NORBERTO CONTI
FOTO DE PAULO IGARASHI


Gurgel Transa (Anfíbio)

O Transamazônica, Trans-Am ou simplesmente Transa - um carro para qualquer terreno, que também poderá navegar - está nascendo na avenida Cursino, Bosque da Saúde, em São Paulo. Enquanto prepara esse anfíbio para o Salão do Automóvel de novembro próximo, a indústria Gurgel estuda também qual será seu nome definitivo. Independentemente disso, já programou o primeiro lote de vinte unidades para janeiro de 1973 e prevê a produção de dez por mês a partir de outubro do ano que vem. Se os planos correrem bem, parte dessa produção será exportada para outros países da América do Sul e para a Africa.

Para terminar o Gurgel anfíbio a tempo de ir ao Salão, falta fazer o teste de hídromecânica. Nessa fase virá o trabalho mais difícil: cálculo do centro de equilíbrio e do centro de empuxo. Depois, a primeira carroçaria será submetida aos testes na água. Por fim, virá a distribuicão de peso, feita com sacos de areia, na mais delicada fase do projeto.

A execução desse projeto é duas vezes mais cara do que foi a do Gurgel XT 72, testado por Quatro Rodas de janeiro de 1972. Por isso, o anfíbio deverá custar mais ou menos Cr$ 35.000.

Carro de combate

Usado sem capota, mas com pára-brisa, o novo Gurgel lembra um carro de combate. Isso alegra o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, que o projetou e está construindo, porque ele acha que, para se tornar um êxito de vendas, sua mais recente criação deve ter imagem de carro rústico e valente, capaz de enfrentar e vencer qualquer obstáculo.

- O Gurgel anfíbio é um QT (qualquer terreno) para trabalho árduo, ao contrário dos anfíbios de brincadeira que existem por ai.

Ao idealizar esse QT, Gurgel pensou na Transamazônica e nas estradas lamacentas, com grandes trechos alagados. Mas está fazendo seu carro para atravessar também rios profundos. Acha que, com os recursos especiais de seu carro, o motorista nunca ficará no caminho.

Terá seis rodas e tração em todas elas; será equipado com motor Volkswagen de 65 HP, que movimentará as rodas e também a hélice, fixada no extremo traseiro de um eixo traseiro, que acompanha o comprimento do veículo; seis rodas estão ligadas a esse eixo, que as movimenta.

Gurgel Transa (Anfíbio)
O anfíbio Gurgel, feito em fibra de vidro e aço,
tambem poderá ser usado sem capota.

Com o motor VW 1.600, o anfíbio deverá chegar aos 80 km/h em terra, mesmo que aos seus 1.000 kg se acrescente o peso médio de quatro passageiros (280 kg) e mais os 500 kg de carga. Na água, com a carga total reduzida em 300 kg, o anfíbio poderá navegar a 15 km/h.

Sua autonomia em terra será de 480 km, porque ele deverá fazer 6 km com 1 litro de gasolina, mas na água o rendimento será menor: seus dois tanques de combustível de 40 litros cada um permitirão que o motor funcione mais ou menos oito horas.

Além da tração nas seis rodas (com pneus lameiros) e da hélice, o novo carro vai ter um recurso extra para emergências: um guincho mecânico adaptado na frente, com capacidade de 3 T, ligado ao motor, com 50 m de cabo de aço. O cabo de aço fica enrolado num eixo junto ao pára-choque dianteiro e, quando necessário, poderá ser preso a uma árvore ou a qualquer apoio, e o guincho movimentado para livrar o carro.

Gurgel Transa (Anfíbio)
O protótipo, com motor VW 1600 de 65 HP e
tração nas seis rodas está quase pronto.

Segundo Gurgel, a tração nas seis rodas e a suspensão independente do anfíbio serão diferentes de tudo quanto já foi feito no mundo.

- Nos EUA, os anfíbios usam eixo rígido e pneu fofo, que aqui não aguentariam. Nosso carro terá molas helicoidais nas seis rodas e seis amortecedores de dupla ação em todas elas.

O anfíbio terá dois sistemas de direção: um trabalhando na base de freio, como trator de esteira; e outro do tipo usado nos carros de alta velocidade. No tipo trator, as três rodas do lado esquerdo são acopladas ao mesmo sistema de freio; as três do lado direito formam um segundo conjunto, que funciona separadamente. Para fazer uma curva, o motorista freia um lado e acelera o outro; faz o contrário quando o rumo for oposto.

Para a velocidade máxima na estrada, funciona o outro sistema de direção, que Gurgel está adaptando ao anfíbio: as duas rodas da frente e as duas traseiras viram em sentido oposto. Sem que as do meio se movimentem.

Gurgel Transa (Anfíbio)
Ele poderá chegar a 80 km/h em terra e a 15 km/h na água,
com 780 kg de carga.

A carroçaria monobloco está sendo feita pelo sistema Plasteel, mistura de fibra de vidro e aço, patenteado por Gurgel. Esse tipo de carroçaria dará ao carro o que seu criador considera importante: - Ele será leve e ao mesmo tempo resistente.

Para se tornar mais resistente, é fortalecida internamente com uma estrutura especial, uma espécie de chassi interior. Parte desse sistema já é usado no jipe Gurgel XT 72 (que, para 1973, será apresentado também com portas mais baixas). A vantagem de o reforço ser interno é a de que ele fica protegido contra a corrosão.

A transmissão do novo Gurgel terá caixa de mudança Volkswagen, mas sua segunda caixa de redução será fabricada pela própria Gurgel.

Outro ponto que preocupou Gurgel foi o tamanho do anfíbio: ele terá 3,40 m de comprimento, 1,60 m de largura por 1,70 m de altura total; do chão ao carro, serão 80 cm.

O homem do anfíbio

Gurgel, de 46 anos e cabelos brancos, vai rabiscando grandes folhas brancas enquanto conversa sobre sua mais nova criação. As folhas fazem parte de enormes blocos. Ele ri quando lembra que os blocos, lápis e réguas de cálculo são presentes que os filhos Cecilia, de sete anos, Cristina, de doze, e Fernando, de catorze, lhe deram no Dia dos Pais. Em casa, quando o pai pega um lápis e uma folha de papel, Cecilia comenta invariavelmente: - Já sei, vai fazer um automóvel.

A preocupação maior de Gurgel são os carros, que ele rabisca o dia inteiro. Mas confessa que não tinha pensado num anfíbio até o dia em que do norte do país, para onde tinha mandado um lote de jipes, pediram-lhe que criasse um carro para estradas precárias e alagadas. Ele aceitou o desafio e começou imediatamente a pensar. O resultado é o anfíbio que vai levar ao Salão do Automóvel. Tudo isso acabou influindo no seu programa de lançamento. Diz que agora vai se dedicar exclusivamente a construir utilitários de pequena produção, que não interessam às grandes fábricas.

Ele tomou essa decisão há pouco tempo, logo que deixou de ser o revendedor VW-Macan.

Antes de vender Volkswagen, Gurgel tinha fábricas em Interlagos, onde fazia peças industriais, carroçarias e peças de acrílico. Fez os luminosos da VW, Esso, Mercedes-Benz, Kodak, Osram, Probel, etc. Construiu também os maiores luminosos giratórios de acrílico da América do Sul, instalados no Brasil.

Em 1964, sua fábrica de Interlagos, a Moplast, produzia carros-miniatura, os Gurgel Jr., dos quais vendeu mais de quinhentos. Produzia também o Mokart SS (inclusive o motor). Esse kart venceu os campeonatos paulista, carioca, mineiro, paranaense e gaúcho de 1964. Dos carros-miniatura (exportados para os EUA) e dos veículos de transporte interno (com motor a gasolina), que fez ao mesmo tempo que construia a fábrica atual, Gurgel passou aos jipes, depois de ter desistido da revenda de Volkswagen. Mas parou de fabricar os jipes logo em seguida por falta de capital. Mais tarde recomeçou, com os estimulos á indústria automobilística.

Para ele, que estudou e trabalhou nos EUA, além de ter passado por várias fábricas brasilelras de automóveis, o anfíbio é um projeto a mais dos muitos que ainda pretende fazer (já está trabalhando no TU, um carro para transporte urbano). Quando não quiser mais produzir carros, vai deixar a fábrica para seu filho Fernando, que também gosta de automóveis. Enquanto o filho cresce, Gurgel vai estimulando sua vocação: - Já lhe prometi: se passar de ano, vai ganhar um torno mecânico.


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